segunda-feira, 1 de junho de 2009

Médica por amor .



Eu o vi abusar da quantidade de bebida que ingeria, mas o deixei à vontade para fazer o que julgasse certo, visto sua maioridade.

Mas ele causou um grande problema que me afligiu tanto que me senti perdendo alguns anos de vida com o estresse.

Tudo girava em torno dele – que tremia sem parar- seus olhos fechados e seu semblante tranqüilo, deixavam claro sua falta de consciência diante da situação.

Minha face ia perdendo, cada vez mais, sua real cor e meus olhos estavam ficando avermelhados enquanto se enchiam de lagrimas. Com o nariz inchado e a face quase toda descolorida, sentia meu coração acelerar cada vez mais enquanto o dele ia diminuindo sua freqüência.

Dos meus olhos, lagrimas de angustia e do meu coração um aperto – sentimento de medo, de perda... Hipotermia avançada – quase atingindo o coma alcoólico. Eu o levava para o médico ou me virava? Preferi ter a certeza de que ele ficaria bem – cuidei dele eu mesma. Me fez refletir sobre uma coisa intrigante : Será que um dia eu me submeteria a isso ? ser médica deve ser horrivel !
- se bem que eu não iria conhecer as pessoas das quais eu trataria .
- Mas saberia do sofrimento das pessoas a sua volta .
- Não.. eu nunca seria médica ! não tenho cabeça pra isso .

Mas enfim ... Em seu corpo parecia não circular mais sangue. Sua pressão estava muito abaixo e nada o fazia parar de tremer. Nem por um decreto eu desentrelassaria meus dedos dos dele. Sua teimosia me fazia elevar o tom de voz ao chamá-lo pelo nome todo. Chocolate ele não queria mais e todo o sal que eu colocava por baixo da sua língua o fazia reclamar e pedir pra parar . Eu não podia parar. Parecia que - assim como eu não fazia o que ele pedia – os meus pedidos para ele parar de tremer e começar a suar eram ignorados. Claro que não! Ele nem sabia o que estava acontecendo. Eu o beijava pelo rosto todo e alisando seu cabelo eu lhe declarava o quanto te-lo comigo era importante. Nesse momento senti sua pele um pouco mais quente, o que criou em mim uma felicidade incondicional. Sua pressão havia voltado ao normal e seu coração batia acelerado. Foi quando o vi tirar a coberta.

Parecia que meu corpo havia voltado para si. Meu rosto estava em chamas e aos poucos foi recuperando sua cor. Minhas declarações de amor o fizeram sorrir e de tudo que ele falou a única coisa que pra mim valeu foi: “eu também, Thay” – o que me fez pensar que ele estava brincando comigo esse tempo todo. Quisera eu.

Depois de horas de aflição tudo se tranqüilizou e no dia seguinte – ele não se lembrava de nada – tudo havia voltado ao normal. Obriguei-o a comer e não cansava de pedir que nunca mais me fizesse sofrer tanto. Fiz questão de dizer tudo. Chinguei-o incansavelmente.

Ele não me pareceu muito grato e nem mostrou ter percebido onde – e em quem - estava a verdadeira amizade. Não pareceu entender que aquela que esteve ao seu lado a noite inteira é sua verdadeira amiga – pisciana sentimental que está do lado de todos, em tudo, pra tudo, sempre. Que não mede esforços pra ajudar, salvar do sufoco ou ver as pessoas felizes .

Mas não importa! Isso é conseqüência. Tenho certeza de que fiz tudo o que eu pude e consegui – não sozinha – com a ajuda de quem nem conhecia ele, fazê-lo se recuperar.

Faria tudo de novo - não só por ele, mas por qualquer amigo que eu ame. Esse fim de semana me fez ter ainda mais certeza de que talvez eu seja louca de me sacrificar tanto para fazer pelos meus amigos coisas que eu nem sei se fariam por mim. Dizer eu te amo não prova esse sentimento. Apesar disso, nessa noite não me cansei de dizer: “eu te amo” e espero – não que ele sinta o mesmo – mas que pelomenos ele sinta tudo que ele diz que sente. Não foi muito divertido me passar por médica . Mas foi por amor .

- Alexandre Emeyrick